Disciplina - Filosofia

Filosofia & Ciências

29/06/2018

Livro interativo expande o universo da série 'Merlí', da Netflix

Lilian Monteiro | Portal Uai E+

foto de Merli
Depois de três temporadas e sem previsão de retorno, o personagem Merlí conduz o leitor por indagações provocadoras e apresenta grandes pensadores. (Foto: Netflix/Divulgação)

Abstinência. Palavra que define bem o sentimento dos fãs da série Merlí, da Netflix, com o fim da história do professor de filosofia nada convencional que ensina jovens de uma escola pública em Barcelona como se apaixonar pela área do conhecimento que se dedica à sabedoria, ao estudo da existência humana, investiga o mundo real e faz pensar fora da caixa, longe do lugar-comum. Sensação de privação que se esvai agora com o lançamento do livro A filosofia de Merlí, da Faro Editorial, com a mesma linguagem envolvente e desafiadora que alimentou a série catalã de três temporadas – mesmo com um final surpreendente, em fevereiro, há quem sonhe com a sua volta...

Enquanto o fim é definitivo, o livro escrito por Héctor Lozano, o criador da série, e pela jornalista Rebecca Beltrán desperta o mesmo burburinho entre os admiradores. Apresentado como “o livro que não vai mudar a sua vida, não contém verdades absolutas... nem grandes mentiras, mas fará você abrir os olhos e o libertará de preconceitos (se ainda tiver algum)”, é pura verdade. Ele fará, assim como as aulas do professor Merlí Bergeron (Francesc Orella), que você “se farte, se revolte e que repense muitas de suas certezas”. É filosofia!

O legal é que o livro é interativo. Como se você se tornasse aluno de Merlí e com tarefas a cumprir. E, claro, todas as questões instigantes e tentadoras que o obriga a sair da comodidade. É como se sentisse o olhar de Merlí revelando suas feridas, medos, dúvidas e “certezas”. O livro proporciona ao leitor a chance de ter um modelo de professor sonhado por muitos. Como reforça Lozano: “Na vida real, é muito difícil encontrar professores iguais ao Merlí... Por isso o criei, porque a ficção pode melhorar a realidade”.

Nessa interação, em cada uma das mais de 300 páginas, há indagações curiosas do tipo:

– Merlí diz: “Há uma tendência generalizada a não expressar o que pensamos. Eu a ignoro”. Você tem coragem de ignorar ou, ao contrário, prefere encontrar um jeito de dissimular?

E por aí vai:

– O que você acha mais perigoso: um franco-atirador ou um livre pensador?

– A dúvida é um perigo? Se acha que sim, para quem?

– Baseado no conceito de Foucault (normalidade implica uma relação de poder), você se acha normal? O que significa normal para você?

– Merlí diz: “Somos assim, só pensamos em nós mesmos até que as circunstâncias nos coloquem no devido lugar”. Qual foi a última vez que o mundo colocou você em seu lugar? Depois disso, você continua pensando que tem tudo sob controle?

Assim segue o livro, delicioso de ler, divertido, provocador e, às vezes, desconcertante. Um presente para quem, a cada episódio, se pegava anotando alguma fala de Merlí ou o pensamento do filósofo do dia. Dividido em 13 capítulos, começa com “Os Peripatéticos (os seguidores de Aristóteles)” e encerra com “Nietzsche”, passando pela sabedoria de Platão, Maquiavel, Sócrates... Em cada abertura, está lá uma síntese do pensador, devidamente apresentada de forma didática, simples, clara, que planta a semente do querer saber mais. E mais.

Para confirmar a atualidade, a contemporaneidade do saber filosófico, Merlí chama a atenção para Guy Debord (1931-1994), que falou lá no século 20 que o nosso modelo de sociedade é converter a vida das pessoas em espetáculo. Olha que ele não conheceu as redes sociais. Capítulo 8. Debord frisou: “Em vez de vivenciar as coisas, consumimos ilusões de realidade.” E Merlí propõe aos seus seguidores: “Você acha que ele (Debord) tem razão? Que se não tiver um perfil no Facebook ou conta no Twitter ou no Instagram você não existe?” Já ao ensinar o pensamento de David Hume, outra inquietação é lançada: “Hume pensava que todo mundo é bom por natureza. E você? Acha que todos são bons até que demonstrem o contrário ou suspeita de todos? Abra uma página de qualquer jornal antes de responder...”

AMOR O livro também se destaca com notas do autor sobre críticas da audiência, que ele chama de “queixa do espectador”. Em uma delas, uma alfinetada: “Tá, tá, muita filosofia, sim pra Nietzsche, sim pra Aristóteles etc... Mas essa série tem a ver mesmo com quem consegue trepar com quem.” A resposta do autor: “Você prefere uma série só de filosofia? Eu não (com símbolo de uma carinha sorrindo!”. Há ainda, como curiosidade, algumas cenas da série transcritas, como nas declarações de amor de Joan Capdevila a Monica de Villamore e na de Merlí para Gina. Tons completamente diferentes, de uma declaração aberta a outra constrangida (do Merlí, claro!). A interação logo vem em forma de pergunta: “Como você se declararia a quem gosta? Com palavras bonitas ou lhe daria um beijo diretamente?”.

Se é possível, sonhar com uma quarta temporada da série e daí um segundo livro, não se sabe. Certo é que há uma proposta, ou melhor, um convite na última página que dá vazão a especulações, pensamentos e elucubrações filosóficas. Será? Sem spoiler. Tanto um quanto o outro são uma experiência bacana, desperta sede de conhecimento de maneira leve, ainda que nada que envolva o mundo seja simples, quiçá o ser humano.

Esta notícia foi publicada no site Portal Uai E+ em 25 de junho de 2018. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade da autora.
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