Disciplina - Filosofia

Filosofia & Ciências

10/06/2014

Livro trata da temporada de Nietzsche em Sorrento

Daniel Zanella

"Eu tenho disposição suficiente para o sul”. Assim, sob os presságios dos espíritos viajantes, Nietzsche abre o ano de 1876. Sofrendo diariamente com fortes nevralgias, afastado por uma temporada das aulas de filologia e macambúzio-sorumbático com os rumos de seus projetos intelectuais, o autor de O Nascimento da Tragédia não vê mais significado no espírito wagneriano da arte como salvação da lavoura. Está em crise e parte para onde faça sol.

Aos 32 anos, prestes a lançar o fragmentário e basilar Humano, Demasiado Humano, dedicado ao motineiro Voltaire, Nietzsche convive com a frieza de seu círculo de amigos mais próximos em relação aos seus novos rumos filosóficos e prepara uma tangência ainda mais inesperada: romper-se completamente e ultrapassar-se.

É neste panorama que Nietzsche na Itália – A Viagem Que Mudou os Rumos da Filosofia, de Paolo d’Iorio, se fixa. E a missão não é exatamente simplória: justificar, através de cartas, como a temporada do filósofo alemão na ensolarada Sorrento, uma pacata aldeia de pescadores, transformou toda a estética de sua obra posterior.

Anuário de Pasárgada

Se para Manuel Bandeira a mítica cidade persa se transfigurava numa terra de delícias e bons augúrios, os rascunhos de Nietzsche da temporada italiana, chamados de Sorrentiner Papiere, compõem uma espécie de caderneta mediterrânea do espírito livre – as passagens sobre a contenda entre ele e o grave compositor alemão (eu amava somente o Wagner que conheci, um ateu honesto e imoralista”) são memoráveis.

Porém, em certos momentos, o resgate histórico de D’Iorio apenas faz água. Em 28 de outubro, por exemplo, na chegada do filósofo a Sorrento, ficamos sabendo, em suas próprias palavras, que ele dispõe de um quarto enorme, com teto muito alto, uma varanda e acaba de tomar seu primeiro banho de mar. Muitos relatos de amigos próximos são ainda mais duvidosos.

De fato, Nietzsche na Itália é um bom livro-homenagem a uma paixão ideológica profunda do pesquisador. O registro também aponta, com substância, a capacidade singular e reconhecida do polêmico alemão de juntar uma palavra na outra de modo arrebatador: “Todo homem tem suas receitas para suportar a vida (ora para deixá-la ser fácil, ora para torná-la fácil, se alguma vez ela se tornou penosa), até mesmo o criminoso.” Ou à irmã Cosima: “Tenho atrás de mim um ano muito rico em resultados interiores”. Por fim, quando ele reflete sobre Platão e resume um trecho em aforismo: “Nada do que é humano é digno de muita seriedade”. Vale.
Esta notícia foi publicada no site Gazeta do Povo em 10 de Junho de 2014. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade do autor.
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